Na Sala de Espera - Parte 01
Recepcionista:
Boa
tarde! Peço a todos que se sentem e esperem,
pois
logo mais o Doutor atenderá a todos.
Deixem
suas carteirinhas do convênio em mãos,
a
fim de facilitar e agilizar meu serviço.
Todos
serão atendidos de acordo com o horário marcado,
e
não por ordem de chegada.
Por
favor, não insistam, pois eu não poderei fazer nada!
Aguardem
que eu chamarei o nome de cada um,
E
só então vocês devem se levantar e vir até minha mesa.
Não
levantem antes e não se atrevam a perguntar:
“Falta
muito ainda?”, pois talvez eu os faça esperar
Mais
que o necessário!
Na
mesa de canto temos café,
Mas
não lembro ao certo quando ele foi feito.
Pedirei
a moça da copa que dê uma esquentadinha.
A
água acabou, mas caso alguém sinta sede,
Existem
diversos bares em nossa rua.
Deixarei
a porta aberta, pois irei arrumar as coisas do doutor.
Caso
alguém toque a campanhia,
Façam
um favor, gritem “está aberta!”.
E
se o cidadão não entrar, que espere lá fora.
Campanhia
toca.Recepcionista espera alguém gritar que a porta está aberta, mas nada
acontece.
Recepcionista:
Obrigada
por nada!
Bela
ajuda que vocês me deram!
Vocês
se fazem de surdo?
Ou
é falta de interesse em ajudar o próximo?
Pois
saibam que se todos colaborarem,
sairemos
daqui o mais rápido possível.
Atendendo
o interfone
Pois
não? Qual seu nome? Qual horário?
Qual
o convênio? Qual seu problema?
Não
entendi, pode dizer mais alto?
Não
precisa berrar!
A
porta está aberta. Caso sua doença não tenha atingido sua mão,
E
o senhor esteja perto de perdê-la,
Por
favor use-a para abrir a porta,
Ao
invés de usar seu dedo para apertar o botão do interfone,
E
atrapalhar meu serviço.
Paciente
entra.
Paciente:
Já
estava quase desistindo,
Pois
tantas vezes toquei a campanhia
E
ninguém me atendeu,
Que
cheguei a pensar que eu havia errado o dia da consulta.
Tamanho
desespero me alcançou,
Que
tremia da cabeça aos pés,
não
conseguia afastar meu dedo da campanhia,
e
não conseguia pensar em outra coisa:
Que
não fosse: “Meu Deus, se não descubro
Hoje
qual o problema que me aflige,
Sabe-se
lá quantas horas ainda terei de vida!”.
Secretária:
Pois
pode cessar a sua histeria
Que
o senhor será atendido ainda hoje.
Paciente:
em
caráter de urgência?
Secretária:
em
caráter de hora marcada.
Paciente:
Mas
falta muito ainda?
Pois
meu caso é de vida ou morte.
Secretária:
Pois
será apenas de morte
Caso
se atreva a perguntar mais alguma coisa.
Sente-se
e fique quieto, com seus documentos em mãos,
E
aguarde sua vez.
Paciente:
Por favor, não faça isso!
Já
esperei mais de um mês
Até
que chegasse esse sagrado dia.
Olhei
na internet e pesquisei meus sintomas,
E
lá estava escrito que se eu não cuidar disso logo,
Posso
sair desse consultório e
Passar
direto numa funerária.
Secretária:
Vejo
que seu caso deve ser realmente sério,
Já
que o senhor olhou na internet,
Esse
meio tão confiável de informações,
E
lá seu destino já foi traçado.
Só
não entendo porque o senhor não aproveitou
E
já olhou o endereço da funerária,
E
dirigiu-se direto para lá,
Poupando
a mim de ouvir sua ladainha,
E
ao doutor de medicar um defunto.
Pois
eu já começo a te ajudar agora
Nesse
árduo trabalho que é passar dessa
Para
uma melhor.
Tenho
aqui papel e caneta,
E
o senhor tem bastante tempo de espera.
Apresse-se
enquanto estás vivo,
E
redijas seu testamento!
Secretária
sai. Campainha toca. Algumas vezes.
Paciente:
Pois
cadê a recepcionista desse lugar?
Confundi-me
ao pensar que sua função era recepcionar as pessoas?
Pois
então, devemos nós, abalados por nossos problemas,
Além
de esperar nesses assentos desconfortáveis,
Ainda
atender a porta?
Se
a ninguém incomoda esse barulho,
A
mim está a matar.
Entre
logo, seja quem for, a porta está aberta.
Entra
mulher do paciente.
Mulher: Não sei o que terei feito eu,
Mulher
fiel e devota, que vou na missa ao domingo,
Tomo
passe de terça e faço yoga de quinta,
Pra
ter de enfrentar, a essa altura do dia,
Nessa
movimentada avenida,
Tamanha
desgraça! Será que poderás me ajudar?
Paciente:
Pois
digas logo, mulher!
O
que aconteceu? Estás bem?
Foi
ferida? São as crianças? Bateu o carro?
Mulher:
Pois
lhe digo que desgraça maior
não
poderia ter caído sobre minha cabeça.
Deixei-te
aqui na porta, na esperança de arrumar uma vaga,
Mesmo
estando na avenida mais movimentada da cidade.
Pensei
ter visto de longe uma vaga,
Mas
era guia rebaixada.
Dei
uma volta completa no quarteirão,
E
a única coisa diferente, é que o trânsito tinha piorado.
Dei
a segunda volta, e só piorou.
Após
a terceira volta, não consegui mais.
Tive
que ceder.
No
primeiro estacionamento que achei,
Entrei
e deixei o carro.
Perdoe-me
por tal ação, mas era minha única opção.
A
hora custa 15 reais!
Paciente:
Não
seja tão dramática. Isso é fácil de se resolver.
Isso
é apenas uma consulta,
Não
pode demorar mais de meia hora.
Pagaremos
7,50 e logo iremos embora.
Mulher:
Se
todos esses estão aqui antes,
Não
sairemos daqui antes da meia-noite!
Escuta-me,
o estacionamento não sairá
Por
menos de 30 reais!
Paciente: É
por hora marcada,
Não
por ordem de chegada.
Mulher:
Assim
espero, querido esposo.
Principalmente
porque consultórios me dão calafrio.
Que
horas era sua consulta?
Paciente:
Quatro
e Meia.
Mulher:
Faltam
ainda 20 minutos.
Por
que tanta antecedência,
se
você não será atendido antes da hora?
Paciente:
Por
que se chego atrasado,
Posso
perder meu horário.
Mulher:
Isso
é mentira.
O
que acontece é que mandam outro em seu lugar.
Quando
você chega, dão-lhe o horário do outro,
Que
já foi atendido na sua vez.
Será
que todos esses estão na sua frente?
Paciente:
Não
poderiam estar depois de mim?
Mulher:
Não
sei porque alguém,
Com
consulta às quatro e 50,
Chegaria
com 40 minutos de antecedência,
Sabendo
que ficaria 40 minutos a aguardar a sua vez.
Qualquer
pessoa em sã consciência,
Usaria
esses 40 minutos para algo que fosse mudar sua vida.
Fazer
comprar, fazer a unha, encontrar uma vaga,
Ou
fazer uma cirurgia simples, com anestesia local.
Preferia
fazer qualquer um desses, no momento,
Do
que ficar perdendo meu tempo nesse lugar!
Paciente:
O
que importa é que eu vou ser atendido,
E
logo terá fim minha lamúria!
Mulher:
Pelo
preço do estacionamento,
É
bom que sua doença seja rara para justificar.
Pois
perante a desgraça, não damos tanto valor ao dinheiro.
Mas
se a desgraça é pouco, ou inexiste,
Voltamos
para nossa vida medíocre,
E
o dinheiro volta ao seu posto de prioridade
Entre
os mortais.
Por
isso, já sabes, se o que tiveres for uma bobagem,
É
você quem paga o estacionamento!
Paciente:
Chega
desse assunto, mulher!
Não
vês que tuas reclamações
Me
preocupam ainda mais?
Resmungando
desse jeito
Irá
agravar ainda mais a sua desgraça,
Que
tão perto está de ti, mas você não pode ver.
Mulher:
Fale
logo, homem:
Que
mal irá me afligir?
Paciente:
pesquisei
hoje na internet,
E
não me resta dúvida:
O
que tenho é mortal.
Mulher:
Tens
certeza?
Paciente:
Absoluta!
Mulher:
E
como chama?
Paciente:
Tudo
depende do que o médico disser.
Entre
câncer e doença muito rara,
Qualquer
uma irá me matar.
Mulher:
Oh,
meu Deus, que desgraçada serei!
Paciente:
Esperas! Esse não é o mal
Que
aguarda a hora certa para alcançar-te.
Mulher:
Dizem
que Deus dá o frio
Conforme
o cobertor.
Pois
já sinto meus pés congelando ao relento
E
dizes tu que ainda não acabaste?
Paciente:
Como
homem novo e saudável,
Com
muito amor a vida.
Sempre
achei que viveria durante longos anos,
Para
ver nossos filhos crescidos, formados,
E
poder passear a vontade com meus netos,
Quando
a liberdade viesse através da aposentadoria.
Porém,
nem sempre os céus escrevem nosso
Destino
da maneira como gostaríamos...
Mulher:
Pois
fale logo,
Que
se continuares a enrolar desse jeito,
Morro
antes de ti!
Paciente:
Pois
bem, serei direto
E
espero que tenhas força para suportar:
Eu
não fiz um seguro de vida,
Pois
achei que minha vida seria longa
E
só daqui a 10 anos teria que pensar
Em
guardar algo pra ti e pras crianças.
Dessa
forma, se morro amanhã,
Como
aparentemente os céus o querem,
Ficarás
sozinha, mãe de duas crianças,
Com
um apartamento para pagar,
Com
5 prestações do carro,
O
custo do meu velório...
Mulher:
E
ainda o custo do estacionamento!
Eu,
que mulher desgraçada, com filhos,
Infeliz,
num emprego chato,
Com
estrias e celulite,
E
ainda esmagada por essa desgraça,
Não
terei dinheiro nem pra me sustentar,
Nem
para arrumar meus cabelos,
Meu
peso e minhas roupas,
Pra
tentar arrumar um outro esposo rico.
Paciente:
Tenha
calma, querida esposa!
Acalme-se,
pois logo o Sr. Doutor irá me examinar,
E
terá fim nossa angústia.
Com
sorte, talvez me sobre uns seis meses de vida,
E
aí pelo menos o carro poderei terminar de pagar.
Mulher:
Então
vou ao banheiro, pois com essa calça,
De
quando eu pesava 3 quilos a menos,
Não
consigo agüentar por muito tempo.
Guarde
meu lugar para que ninguém sente ao seu lado
E
puxe uma conversa deveras desagradável.
Ou
falará sobre a doença de alguém, ou- Oh!-
Seria
muito pior: começará a falar sobre o próprio problema.
E
aí só Deus sabe o quão pode querer descrevê-la!
Paciente:
Vá
logo, então.
E
não demores a voltar.
Não
tenho nenhuma bolsa aqui comigo,
Então
sentarei dessa forma, com as pernas bem abertas,
Ocupando
dois lugares.
Farei
cara de poucos amigos e, se alguém insistir,
E
se dirigir a essa direção,
Começarei
a gemer e a tossir.
Se
isso ainda não bastar,
Sinto
muito, minha querida!
Mas
mais nada poderei fazer!
Perderás
o seu lugar!
Mulher
vai ao banheiro. Telefone toca. Recepcionista entra.
...